Quando você percebe que está perdido, já passou pela mesma árvore três vezes e percebe que o pôr do sol ocorrerá em 20 minutos, um cão querendo brincar de cabo-de-guerra pode ser a sua melhor opção para voltar para casa. Os cães de busca e resgate são inteligentes, ágeis e obedientes, mas seu grande "interesse em brincar" é o que os impulsiona a procurar por uma pessoa desaparecida, descer íngremes paredões de rocha e grutas que fariam uma pessoa claustrofóbica sair correndo gritando.
Foto cedida
Equipe de Busca e Resgate K9
Basicamente, a tarefa de um cão de busca e resgate é descobrir a origem do cheiro de um ser humano e informar ao treinador onde ele está. Neste artigo, aprenderemos o que os cães de busca e resgate fazem e como eles fazem, veremos o que está envolvido no treinamento desses cães e descobriremos como é uma verdadeira missão de busca e resgate.
Fundamentos de um cão de busca e resgate
Os cães de busca e resgate podem fazer coisas incríveis, incluindo descer desfiladeiros com seus treinadores, localizar uma pessoa dentro de um raio de 500 metros, encontrar um corpo sob a água, subir escadas e andar por uma viga instável em um prédio desmoronado, mas tudo isso com um único objetivo: encontrar cheiro de ser humano. Esse cheiro pode ser de uma pessoa viva, de um corpo, um dente humano ou uma peça de roupa. Os cães de busca e resgate localizam pessoas desaparecidas, buscam sobreviventes e corpos em áreas de desastres e localizam evidências em cenas de crimes, tudo isso se concentrando no cheiro de um ser humano.
Foto cedida FEMA, fotografia de Andrea Booher Um membro da Força-Tarefa Francesa de Busca e Resgate Urbano trabalha com seu cão para localizar vítimas no local do desabamento do World Trade Center |
Para as pessoas, isso pode parecer uma tarefa difícil. Mas para os cães, cujo sentido do olfato é cerca de 40 vezes mais aguçado do que o de uma pessoa, isso é bem fácil. Para um cão, o cheiro de um ser humano é tão forte e distinto quanto o cheiro de um bolo de chocolate recém-assado é para uma pessoa. O corpo humano apresenta um cheiro característico: a pele constantemente solta células mortas chamadas cavéolas, que contém bactérias e exalam esse odor. Ainda que seja impossível saber ao certo, a maioria dos especialistas acredita que os cães de busca e resgate sentem o cheiro dessas cavéolas que formam um "cone olfativo" que o cão pode apontar facilmente durante uma busca. As células da pele das pessoas exalam um odor único, o que possibilita ao cão cheirar uma peça de roupa e procurar especificamente a última pessoa que a vestiu.
Foto cedida Rural Responder Inc. O pastor alemão é uma raça popular de busca e resgate |
Isso nos leva a uma distinção entre os tipos de cães de busca e resgate: alguns cães seguem, enquanto outros buscam.
Especialidades dos cães de busca e resgate
Nem todos os cães de busca e resgate realizam o mesmo tipo de busca. Alguns são cães de rastreamento (ou trilha) e outros são cães farejadores (ou busca). Os tipos se sobrepõem, mas a distinção entre os dois orienta o processo de treinamento e como o cão participa em missões. Os cãesrastreadores trabalham com seu focinho no solo. Eles seguem uma trilha de cheiro humano em qualquer tipo de terreno. Esses cães não buscam, eles seguem: os cães rastreadores precisam de um ponto inicial, um item com o cheiro da pessoa com o qual trabalhar e uma trilha não-contaminada.Foto cedida CCSAR Os cães rastreadores são mais úteis para buscas em locais amplos e desabitados |
No caso de rastreamento, o tempo é um problema. Se uma criança desaparece do pátio da escola ou um prisioneiro escapa da prisão, um cão rastreador pode ser chamado para seguir o cheiro da pessoa imediatamente após o desaparecimento, antes que outros grupos de busca e equipes policiais contaminem a trilha de cheiro.
Os cães farejadores, por outro lado, trabalham com seus focinhos no ar. Eles captam o cheiro humano em qualquer local nas redondezas: eles não precisam de um ponto inicial "visto pela última vez", um item com o qual trabalhar ou uma trilha de cheiro, e o tempo não é um problema. Enquanto os cães rastreadores seguem uma trilha de cheiro particular, os cães farejadores captam um cheiro transportado nas correntes de ar e buscam sua origem: o ponto de sua maior concentração.
Foto cedida CCSAR Os cães farejadores captam o cheiro humano transportado em correntes de ar |
Os cães farejadores podem ser chamados para encontrar um praticante de caminhadas desaparecido que esteja "em algum lugar de um parque nacional", uma vítima de avalanche que esteja 4,5 metros abaixo da neve ou uma pessoa soterrada sob os escombros de um edifício. Os cães farejadores podem se especializar em um tipo particular de busca, como:
- cadáver - os cães procuram especificamente pelo cheiro de restos humanos, detectando o odor dos gases de decomposição do corpo humano, além do cheiro das cavéolas. Os cães farejadores de cadáveres podem encontrar algo tão pequeno quanto um dente humano ou uma única gota de sangue;
- água - os cães buscam por vítimas de naufrágios. Quando um corpo está sob a água, as partículas da pele e os gases sobem à superfície, assim, os cães podem sentir o cheiro de um corpo mesmo quando ele está completamente imerso. Devido ao movimento das correntes de água, os cães raramente podem apontar a localização exata de um corpo. Geralmente mais de uma equipe de cães de busca e resgate vasculham a área de interesse, e os mergulhadores usam o ponto de alerta do cão, juntamente com a análise da corrente da água, para estimar o local mais provável do corpo;
Foto cedida CCSAR - avalanche - os cães buscam pelo cheiro de seres humanos soterrados até 4,5 metros abaixo da neve;
Foto cedida Busca e Resgate 911BC K9 - desastre urbano - a especialidade mais difícil da busca e resgate: os cães que trabalham com desastres urbanos buscam por sobreviventes humanos em escombros de edifícios. Eles devem percorrer terrenos instáveis e perigosos;
Foto cedida FEMA, fotografia de Andrea Booher
Buscando por sobreviventes nos destroços do World Trade Center - áreas amplas e desabitadas - os cães buscam pelo cheiro humano em amplas áreas desabitadas;
- evidência/item - os cães buscam por itens que carreguem o cheiro humano.
Em desastres urbanos, nos quais as pessoas estão presas sob pilhas de escombros, a força de um cão, sua confiança e agilidade são fatores-chave. Porém, mais importante que isso é a obediência: um cão fora de controle é um estorvo em situações de busca. É aqui que os padrões de busca e resgate entram.
Padrões dos cães de busca e resgate
Foto cedida Emergency Service Detail |
Nível I: obediência básica
O nível I abrange comandos básicos e temperamento do cão. Para passar nesse grupo de habilidades, o cão precisa se sentir confortável com estranhos não-ameaçadores e outros cães, prestar atenção ao treinador enquanto caminha com uma coleira solta, andar no meio de uma multidão e entre distrações sem perder o foco e obedecer aos comandos básicos como "senta", "deita", "rola", "fica" e "venha".
O nível I abrange comandos básicos e temperamento do cão. Para passar nesse grupo de habilidades, o cão precisa se sentir confortável com estranhos não-ameaçadores e outros cães, prestar atenção ao treinador enquanto caminha com uma coleira solta, andar no meio de uma multidão e entre distrações sem perder o foco e obedecer aos comandos básicos como "senta", "deita", "rola", "fica" e "venha".
Teste: enquanto o treinador está andando com o cão com uma coleira solta, eles encontram uma distração visual e uma auditiva, como uma pessoa correndo em frente ao cão e o barulho de uma porta batendo. O cão pode se assustar ligeiramente, mas ele não deve entrar em pânico, latir ou tentar fugir.
Nível II: profissionalismo canino
O nível II testa o que a Equipe de Busca e Resgate K-9 chama de "profissionalismo canino". O cão obedece consistentemente aos comandos básicos e às combinações de comando e não se estressa quando se separa do treinador. Passar nesse nível significa que o cão pode trabalhar efetivamente com outro treinadores, se necessário.
O nível II testa o que a Equipe de Busca e Resgate K-9 chama de "profissionalismo canino". O cão obedece consistentemente aos comandos básicos e às combinações de comando e não se estressa quando se separa do treinador. Passar nesse nível significa que o cão pode trabalhar efetivamente com outro treinadores, se necessário.
Teste: o treinador deixa seu cão em um grupo de cães de busca sob o cuidado de outro treinador. Ele coloca seu cão em uma posição de "sentado" ou "deitado" e ordena ao cão para "esperar". O treinador então se afasta pelo menos 9 metros, até onde o cão não pode vê-lo. Muitos treinadores então assumem uma posição de vigilância, observando todos os cães. Isso dura, pelo menos, 15 minutos. Cada cão deve permanecer na posição "sentado" ou "deitado" sem qualquer comando adicional até a volta de seu treinador.
Nível III: habilidade física e mental
Foto cedida Busca e Resgate 911BC K9 Cão de busca e resgate e seu treinador fazendo rapell para descer |
Para passar desse nível, o cão deve andar através de um túnel, subir uma estrutura em forma de A com uma inclinação mínima de 45° em cada lado, entrar em uma pá de retroescavadeira com seu treinador e ser içado a, pelo menos, 3 metros sem tentar pular e sentar-se em um carrinho puxado por um ATV ou snowmobile (veículo para andar sobre a neve) sem tentar pular. Ele também viaja em um barco sem tentar pular, se aproxima de um helicóptero sem demonstrar medo e aceita ser içado no ar enquanto usa um peitoral.
RastreamentoA equipe de busca e resgate K-9 tem padrões adicionais para cães de restreamento: o nível III é o rastreamento em áreas amplas e desabitadas, o nível II é o rastreamento suburbano e o nível I é o rastreamento urbano. A qualificação para o rastreamento urbano envolve o teste abaixo.
Uma pessoa (o alvo) deixa um rastro de 500 metros a 1,5 quilômetro (se move de um ponto até o outro) em uma área da cidade altamente populosa e com tráfego intenso. O alvo cruza pelo menos duas interseções, realiza pelo menos três giros em ângulo reto, desce duas quadras de becos e deixa um item com cheiro em um beco. Assim que o alvo deixa a trilha, outra pessoa cruza a trilha em pelo menos um lugar acrescentando outra trilha de cheiro para enganar o cão. Trinta minutos após o alvo estar em sua posição final, o treinador coloca o cão na trilha de cheiro. O cão deve completar a trilha (encontrar o alvo) em menos tempo do que o alvo levou para criar a trilha. O cão enfrenta distrações durante todo o teste, incluindo cães e gatos soltos, outras equipes de busca e resgate e maquinário pesado em funcionamento, além de confrontar obstáculos, incluindo cercas de arame farpado e paredes de tijolos que o cão deve superar desviando-se deles (ou pulando sobre eles) para permanecer na trilha.
Um cão e seu treinador precisam treinar muito para passar nos padrões de qualificação do trabalho de busca e resgate. O treinamento inicia-se quando o treinador identifica a recompensa ideal para o cão. Geralmente ela é muito fácil de descobrir.
Treinamento de cão de busca e resgate
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As principais tarefas de um cão de busca e resgate são localizar um cheiro humano ("ache") e efetivamente alertar seu treinador para a sua localização. O treinamento de busca e resgate garante que um cão pode completar essas tarefas em todas as condições, independentemente do clima ou de distrações. Dependendo da área de especialidade do cão, seu treinamento central também pode incluir o lembrar-localizar ("mostre-me"), no qual ele encontra uma pessoa, retorna ao seu treinador e então o leva de volta até a pessoa, ou a lealdade com a vítima, na qual o cão permanece com a pessoa e alerta seu treinador por meio de latidos.
Foto cedida Isle of Man Search and Rescue Este cão está alertando seu treinador po meio de latidos. Ele permanecerá com a vítima até a chegada de ajuda. |
A maioria dos cães de busca e resgate mora e treina com seus treinadores. São necessárias cerca de 600 horas de treinamento para um cão estar apto a atuar. Às vezes, associações de busca e resgate adotam animais de abrigos para cães com o propósito específico de treiná-los para busca e resgate: eles são treinados em uma instalação especial e depois formam uma equipe com um treinador. Wilma Melville, da Fundação Nacional de Cães de Busca para Desastre, visita os abrigos para cães procurando por animais com "uma grande vontade de buscar um brinquedo arremessado, juntamente com algumas características que podem afastar outras pessoas que desejam adotar cães de abrigos: ousadia e um grande impulso para caçar" [ref]. Os potenciais cães para busca e resgate também precisam ser obedientes e atentos, ter um temperamento amigável (eles vão trabalhar próximos de estranhos e outros cães em uma situação de busca) e ter um forte desejo de agradar. Obediência e concentração são cruciais. Um treinador deve poder controlar seu cão todo o tempo e em todas as situações. Mas um cão de busca e resgate que não seja capaz de agir por conta própria é inútil (cães farejadores trabalham sem coleira, portanto, o treinador nem sempre estará por perto para dar os comandos). O cão de busca ideal pode resolver problemas sozinho, mas sempre está atento ao seu treinador.
A abordagem geral para treinar um cão para busca e resgate não é diferente do treinamento de um cão para realizar qualquer outro tipo de tarefa. O primeiro passo é descobrir por qual recompensa o cão trabalhará, e sempre imediatamente recompensá-lo quando ele faz a coisa certa. Os cães não fazem caridade: eles trabalham somente pela recompensa. Durante o treinamento, você associa essa recompensa com cada coisa que deseja que o cão faça (nesse caso, localizar cheiro humano e alertá-lo de uma maneira padrão). O treinamento se inicia com tarefas muito simples e progressivamente vai se tornando mais complexo à medida que o cão completa cada nível.
Exemplo: treinamento de avalancheTreinar um cão para "achar" tem muito mais a ver com direcionar um cão do que ensiná-lo. Os cães têm uma inclinação natural para localizar cheiros e o treinamento de busca e resgate envolve deixar o cão saber qual cheiro você deseja que ele localize e onde esse cheiro pode estar. Sempre que os cães completam uma tarefa, eles ganham uma recompensa. Vamos supor que esse cão em particular trabalhe para brincar de cabo-de-guerra com uma meia fedorenta.
Para o treinamento de avalanche, o primeiro passo é simplesmente fazer o cão procurar sob a neve. O treinador cava um buraco na neve e uma segunda pessoa segura o cão enquanto o treinador faz um estardalhaço, correndo e pulando dentro do buraco. O cão observa o tempo todo, geralmente fazendo força para seguir o treinador. Então o assistente solta o cão e ele corre para encontrar o treinador. Quando ele o encontra, eles brincam de cabo-de-guerra. Isso estimula o interesse do cão em procurar pessoas.
O próximo passo é aumentar a quantidade de tempo que o assistente segura o cão. Isso aumenta o nível de memória e atenção exigido para encontrar o treinador. Primeiro, o assistente segura o cão por, digamos, cinco segundos. O cão encontra o treinador e brinca de cabo-de-guerra. Daí o assistente segura o cão por 10 segundos, depois um minuto, depois cinco minutos e assim por diante. Sempre que o cão encontra o treinador (o que é muito fácil porque ele está observando o treinador se esconder no mesmo buraco sempre) ele ganha o seu cabo-de-guerra.
A essa altura, o cão está totalmente envolvido com o jogo, então o treinador acrescenta uma complicação: um assistente cobre o treinador com alguns centímetros de neve. Dessa vez, quando o cão corre para encontrar o treinador, ele não pode vê-lo, mas pode sentir o seu cheiro. Assim ele começa a cavar. Quando o cão o encontra, ele encontra a sua meia fedorenta. Dessa forma, o cão descobre que as pessoas podem estar sob a neve e que o cheiro humano que emana da neve significa que se ele cavar naquele local, uma pessoa aparecerá para brincar com ele. Depois, o treinador e o assistente trocam de lugar: o treinador segura o cão enquanto o assistente se esconde sob a neve. Nesse estágio, o jogo está bem estabelecido e o cão sabe o que precisa fazer para obter sua recompensa.
Foto cedida Busca e Resgate 911BC K9 Exercício de treinamento em avalanche |
Finalmente, as distrações são acrescidas ao jogo. O cão começa a jogar o jogo do "ache" com pessoas e cães se movimentando ao redor da área, juntamente com o equipamento de busca em avalanche, como mastros e pás, espalhados pela neve. Em uma busca real em avalanche, as distrações estão em toda parte e o cão deve ser capaz de se concentrar na busca, apesar do caos ao seu redor.
Depois que o cão compreende o jogo do "ache", treiná-lo para alertar sobre a descoberta é muito fácil. Geralmente os cães têm um instinto de alerta natural que os treinadores somente reforçam ou encorajam. No caso de descobertas em avalanche, normalmente os cães cavam na área onde detectam cheiro humano. Se uma recompensa é dada imediatamente após uma descoberta correta (o que significa que o cão está cavando no lugar certo), o cão continuará a alertar dessa maneira.
Um cão de busca e resgate pronto para atuar em campo pode se concentrar na tarefa atual haja o que houver (se o seu treinador o estiver comandando). O cão mantém a vigilância e a dedicação à busca sob qualquer condição climática e percorre terrenos traiçoeiros sem perder a confiança.
Foto cedida Fundação de Cães de Busca Um cão de busca e resgate tem a confiança para realizar tarefas que não fazem parte de seu instinto natural |
Um cão de busca e resgate andará sobre uma ponte de corda, se for necessário, abaixando o seu centro de gravidade para minimizar a oscilação. O cão ignorará um sanduíche colocado no meio de arbustos e conterá o impulso de cheirar outro cão de busca e resgate se ele estiver cumprindo um comando "ache". Esse nível de concentração não tem nada a ver com levar o trabalho a sério, mas sim com levar a brincadeira a sério. Seja um exercício de treinamento ou uma busca real, tudo é um jogo para o cão.
Hannah Harris e seu Pastor Alemão, Grace, treinaram busca e resgate em Maryland. Eles passaram 48 horas por mês treinando. Harris observa o nível de multitarefa exigido para um treinador vasculhar seu setor:
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