quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

##VIDEO PASTOR 3 ##


Foram os Etólogos Scott e Fuller que iniciaram os estudos sobre as diferenças comportamentais do cão baseadas na genética de cada raça. Ao encontrar variação no estudo de cinco dessas raças, atribuíram estas diferenças a factores genéticos. Além disso observaram que a variabilidade de caracteres, dentro de cada raça, era igualmente bastante considerável.

Estes estudos sobre cães domésticos foram levados a cabo nos anos 50. Posteriormente tentou-se avaliar a transmissão hereditária de vários caracteres de conduta sobretudo em raças de trabalho. As conclusões que nos interessam e que procuramos quando analisamos exemplares destinados ao trabalho em geral e ao adestramento em particular, são as seguintes:

• A transmissão hereditária do comportamento é baixa e, em muitos casos, não é significativamente diferente de zero.

• O único traço de carácter que apresenta uma transmissão elevada (entre 0,4 e 0,5) é o medo. Também estão incluídas neste campo, aquilo a que poderíamos chamar: instabilidade emocional, irritabilidade ou nervosismo. Tudo isto contribui para uma inadequada resposta do cão num contexto de um ambiente estranho.

• Não foi possível demonstrar que os problemas comportamentais, tais como a agressividade inadequada, tenham alguma componente de origem hereditária.

• A componente hereditária materna é sempre superior à paterna.

Analisando estas conclusões podemos adiantar com alguma segurança que realmente, o animal não herda “virtudes” mas sim “vícios”. Logicamente estas conclusões, em qualquer altura, podem ser rebatidas mas, até este momento, não existem estudos experimentais que demonstrem o contrário. Através destas conclusões podemos ainda chegar (não de forma empírica mas sim de forma lógica) às seguintes premissas:

• O objectivo da selecção é obter “indivíduos normais”.
• Entendemos um exemplar normal como estando isento de “problemas psicofísicos”.
• A agressividade por medo pode ser corrigida através da selecção.
• A variabilidade dentro da mesma raça obedece a uma selecção inadequada.

Para darmos um exemplo prático das conclusões a que estes Etólogos chegaram vamos analisar dois tipos de cães de uma raça muito popular; um exemplar de beleza e outro de trabalho.

Nalguns Países, para esta raça de cães obter um Certificado de Aptidão para a Criação de exemplares de beleza é necessário, cada exemplar, estar habilitado através de três itens específicos, que são:

• Um certificado que comprove a ausência de displasia Coxo-Femural.
• Uma qualificação de Excelente numa Exposição de Beleza.
• Ausência de medo (observada através de uma detonação imprevista provocada por uma arma de fogo).

Em relação ao Certificado de despiste da displasia não há nada a opor, pelo contrário só trás benefícios para a selecção e, como medida de precaução é bastante acertada.

O juiz de uma Exposição de Beleza, como humano, pode cair na tentação de estereotipar a raça, adaptando-a ao seu conceito de exemplar perfeito da raça e aos seus gostos pessoais. Contra isso nem a raça nem os humanos podem fazer nada. De qualquer forma, esta medida também pode ser benéfica sempre que o juiz esteja realmente preparado para interpretar o standard e o seu julgamento não dependa de correntes mediáticas.

O ponto de discrepância encontramo-lo na prova de “ausência de medo”. Sendo o conceito de habituação a capacidade que o animal possui para deixar de responder a um estímulo quando este se produz com determinada frequência, facilmente se pode habituar um exemplar a não responder a um disparo ou, simplesmente a realizar uma actividade redirigida quando este se produz. Assim, é costume observarmos que, muitos exemplares, depois de escutarem uma detonação não reagem, demonstrando uma encapotada ausência de medo. O Juiz da prova, induzido em erro, irá chegar à conclusão que se trata de um cão “corajoso”. Realmente, estas provas não reflectem a ausência de medo do cão mas a habilidade do treinador em trabalhar a aquisição de hábito.

Assim, o cão declarado apto mediante esta selecção pode ser corajoso ou não, e a sua prole, no caso em que o progenitor, apesar de superar as provas exigidas, não possuir essa característica, fixará este traço de carácter nuns 0,4 ou 0,5.

O cão de trabalho é testado exaustivamente tanto física como psiquicamente. As provas de ausência de medo transladam de um contexto a outro, desde o disparo à defesa ou à agressão , desde a capacidade de aprendizagem rápida à manifestação de inteligência. Com tudo isto, a margem de erro na hereditariedade do medo reduz-se consideravelmente. Assim se explica que esta raça, após poucas gerações, fragmentou-se em duas: as nossas tão conhecidas expressões “linhas de beleza” e “linhas de trabalho”.

É lógico que nas raças “best sellers”, não podemos fazer passar todos os exemplares por provas excessivamente sofisticadas, mas poderemos conseguir fazer com que os Juízes tenham uma experiência e uma formação adequadas em comportamento canino que lhes possa permitir reduzir consideravelmente o grau de erro na selecção de exemplares aptos para a criação.

## Os Processos de Aprendizagem no Cão##

Os Processos de Aprendizagem no Cão

Em termos gerais entende-se por aprendizagem, qualquer mudança de conduta de um animal, numa situação determinada, que é atribuída à sua experiência prévia com essa situação ou com outra que compartilhe certas características. Excluem-se por tanto, as mudanças que se devem à adaptação sensorial, à fadiga muscular, a possíveis danos físicos ou à maturação mental.

Podemos assim chegar à conclusão que um cão aprendeu algo, quando observamos uma mudança significativa no seu comportamento mas, temos que distinguir entre aquelas mudanças que se devem à aprendizagem das que se podem atribuir a outras causas. Se um cachorro procura comida num determinado local, e que algumas horas antes não o fazia, pode-se dever esta conduta a que agora esteja com mais fome que antes e que o que mudou foi o seu estado motivacional.

Foram propostas diversas classificações para os distintos tipos de aprendizagem:

1. Aprendizagem não associativa

Quando, depois de várias ocasiões nas quais se expõe o animal a um estímulo, este deixa de licitar uma resposta, diz-se que se produziu uma habituação. Podemos assegurar que, se a habituação está tão estendida no reino animal, deve ter uma grande importância biológica na hora de descriminar e tomar decisões apropriadas a cada situação evitando o gasto inútil de energia que implicaria o responder de forma repetida a estímulos que a experiência demonstra que são irrelevantes. Um cão jovem é normal que ladre a qualquer coisa (inclusive a uma mosca). Quando passa à fase juvenil o ladrar sem necessidade só implica um gasto de tempo e sobretudo de energia sem obter consequências positivas.

A aprendizagem também pode causar o aparecimento de novas respostas em vez da extinção das antigas. A este mecanismo dá-se o nome de sensibilização. Assim, um cão pode dirigir certas respostas em função de um estímulo, previamente neutro, depois de haver sido exposto a estímulos motivacionalmente importantes como o alimento (+) ou um castigo físico (-).

2. Aprendizagem associativa

Caracteriza-se porque o cão aprende a associar dois estímulos unidos no tempo. No condicionamento clássico ou Pavloviano, o primeiro estímulo é o condicional (uma luz, som, etc.) e o segundo o incondicional (alimento, água ou carícias). A vantagem da mudança para o condicionamento operante ou instrumental, primeiro é o sucesso de uma resposta comportamental do cão mais assertiva e o segundo, é a consequência que obtém desse comportamento. Tanto utilizando um método como o outro, a consequência será sempre reforçante.

A capacidade de aprender através destes dois tipos de condicionamento, resulta num grande valor adaptativo porque permite ao cão fazer com que seja mais previsível tudo o que ocorre no seu meio ambiente e responder com um comportamento mais adequado. Não obstante, o condicionamento operante é o melhor método dos dois porque permite ao cão desenvolver uma grande capacidade de “inventar”. Se para além disso, o animal, possuir uma certa capacidade cognitiva, o repertório pode aumentar exponencialmente. Noutras palavras, graças à aprendizagem associativa, o cão pode identificar relações de contingência e relações causais entre acontecimentos externos e o seu comportamento e os efeitos que estas podem ter.

3. Aprendizagem latente

Existem ocasiões em que um animal adquire informação do seu meio ambiente sem necessidade de obter uma resposta concreta e imediata. A este tipo de aprendizagem dá-se o nome de latente. Sabe-se que a informação está aí porque, dadas as condições apropriadas, o organismo faz uso dela. Normalmente adquire-se por exploração e pode ser de um grande valor adaptativo. Em liberdade poderia, por exemplo, ser a diferença entre ser depredado ou não. Quase todos os animais mostram precaução perante uma coloração apossemática (que não é venenosa) ou de advertência que exibem as suas possíveis presas.

4. Aprendizagem súbita

Tem lugar quando um indivíduo é capaz de resolver um problema sem recorrer ao processo tentativa / erro. Noutros termos, poderá dizer-se que o cão é capaz de usar informação, obtida num dado contexto, para resolver mentalmente, um problema surgido noutro contexto diferente.

Quando um animal resolve uma situação rapidamente, devido à experiência adquirida na resolução de outras similares, diz-se que desenvolveu estratégias de aprendizagem (learning sets). Realmente estas estratégias são de um grande valor adaptativo porque poupam ao cão uma grande quantidade de tempo na aprendizagem que de outro modo, se perderia se tivesse que resolver cada problema em separado. Em termos de adestramento chamamos a este conceito capacidade de resolução.

5. Aprendizagem social

Os animais que vivem em grupos sociais – como é o caso do cão – são capazes de aprender com outros indivíduos da sua espécie. É normal os primatas aprenderem a usar “ferramentas” para se alimentarem e inclusivamente, o uso de plantas medicinais. Nos cães que vivem em “matilhas mais ou menos livres” podemos observar como os cachorros que não tenham sido condicionados a um estímulo, reagem frente a ele, como viram fazer os seus progenitores.

Resumindo

De todas as formas de aprendizagem a mais utilizada, devido aos seus bons resultados, é a associativa instrumental ou operante. Realmente é aquela que preconizamos e utilizamos no nosso trabalho ainda que, logicamente ajustada à capacidade de cada indivíduo, e à sua raça.

O problema do adestrador complica-se sempre que, em vez de utilizar um rato de laboratório, indefeso perante as nossas manipulações, se enfrenta com um animal que não tem “nenhuma vontade” de se submeter a nenhum condicionamento e que para além disso se sente apoiado pelos seus dentes e pelo seu dono. Nunca vimos nenhum cão contente no primeiro dia que lhe colocamos a coleira e o obrigamos a adoptar uma postura de submissão. Com o passar do tempo e se a aprendizagem a que foi submetido é a correcta, voltará louco de alegria ao ver “o instrumento de tortura” nas nossas mãos.

20/10/09


Os Instintos Básicos do Cachorro

Como desenvolver os
INSTINTOS BÁSICOS DO CACHORRO
Com vista a obter um futuro cão de Trabalho e Desporto


A solidez de carácter do cão adulto é consequência directa do adequado equilíbrio dos seus instintos naturais. A criação permite seleccionar os exemplares melhor dotados para o trabalho e para o desporto. O adestramento dá forma ao “todo”. E, neste sentido, o papel exercido pelo adestrador desde as primeiras semanas de vida é imprescindível.

Instinto Gregário


O cão, animal de matilha como o seu ancestral o Lobo, prefere viver no seio de uma comunidade. O medo atávico que o Lobo tem das pessoas foi vencido pelo cão há 16 000 anos com a sua domesticação.

O cão não considera o homem como pertencente à sua espécie, mas aceita-o no seio da sua comunidade e aprendeu a integrar-se também na humana. Esta circunstância faz com que o cão encontre facilmente o seu lugar na escala hierárquica da família humana que o acolhe e é esta a base da relação com o seu dono ou adestrador.

Mas o facto de o cão não temer os humanos tem como consequência que a conduta de os morder se encontre desinibida, em maior ou menor grau. Por esse motivo é possível que os exemplares adultos, em determinadas situações, sejam capazes de defender-se do homem ou, inclusivamente, atacá-lo.

O fenómeno baptizado por Konrad Lorenz Imprinting (anglicismo do termo alemão Prägung, e já abordado por nós em artigos anteriores), que significa impressão, tem lugar a partir da altura em que o cachorro abre os olhos e começa a ter noção do meio envolvente, nas terceira e quarta semanas de idade. Durante esta fase, diferentes estímulos e comportamentos adquirem um significado concreto que fica gravado para sempre.

É neste período que convém manipular o cachorro diariamente, pois é-lhe oferecida a oportunidade de reconhecer o homem como membro do seu grupo social. De facto, está provado cientificamente que os cachorros que, nesta idade, são pesados diariamente são mais seguros e sociáveis que aqueles que não têm tanta atenção por parte do homem. Quero com isto dizer que é obrigação do criador tratar cuidadosamente os cachorros e evitar que todas as situações desagradáveis possam deteriorar o futuro carácter do cão definitiva e irreparavelmente.

A partir da quinta semana começam a aparecer vestígios de comportamento de defesa do alimento, mas é depois da sexta semana que se evidenciam claros comportamentos agonísticos à volta do comedouro, com grande profusão de sinais: eriçamento dos pelos dorsais, rosnadelas, ladridos e autenticas lutas. Através deste tipo de condutas começa a estabelecer-se a escala hierárquica no grupo e um dos cachorros, geralmente o mais desenvolvido, começará a destacar-se dos restantes. Come primeiro, não deixa os irmãos acercar-se até que se sacie, colocará as patas sobre quem ouse disputar a sua primazia… em definitivo, converte-se num líder.

O criador não deve intervir neste processo, mas quando já estiver claramente estabelecida a dominância de um dos cachorros, chegou o momento de o separar dos outros para evitar que o seu carácter se construa à custa da deterioração do dos demais. Assim dá-se a oportunidade a outro de se converter em líder, repetindo-se assim o processo anterior até que fique só um que será o seu próprio líder.

Para a maturação do comportamento social é tão importante dominar como, em certas ocasiões, aceitar ser dominado. Uma atenta observação à ninhada oferecerá ao criador, nestas alturas, suficiente informação para que possa ter uma ideia clara das características psicológicas de cada exemplar: do carácter (capacidade de excitação), do temperamento (grau de dureza perante estímulos adversos), da inteligência adaptativa (facilidade de resolução perante situações novas), da capacidade de recuperação (facilidade de superação de situações desagradáveis), etc.

O segundo dominante é, de momento, o cachorro que demonstrou ser o melhor, pois foi dominado, recuperou-se e soube dominar os outros. O primeiro dominante só mostrou capacidade de dominar não passando pela experiência de ser dominado. Poderá ser este o melhor mas poderá dar-se o caso de não ser. Terá de demonstrar a sua capacidade de recuperação e, para isso o criador terá que intervir, submetendo-o e facilitando o seu restabelecimento.

O criador deve ser aceite como fazendo parte da comunidade. Para ele, ainda que os cachorros vivam separados, é conveniente que nalgumas ocasiões os juntem todos, mãe incluída, permanecendo debaixo da sua atenta supervisão. O criador deverá ser aceite como o elemento super-alfa. A sua experiência, sensibilidade, tolerância, doçura e firmeza permitirão que os cachorros aprendam a aceitar os diferentes estímulos, tanto positivos como negativos, com toda a naturalidade e sem inibições.

Através do jogo o cachorro aceita sem traumas a autoridade do homem. Brincar com o dono facilita a relação entre ambos, melhora a comunicação e facilita que o cão reconheça a hierarquia, que desenvolva a sua capacidade de aprendizagem e que adquira, em suma, a disposição necessária para o trabalho futuro.

Instinto Predatório

Durante todo o período de socialização (das 5 às 12 semanas), o criador deve iniciar as primeiras fases de fomento do instinto de caça, aproveitando as alturas em que se encontra reunida toda a ninhada – sem a mãe. Para evitar que os cachorros se cansem, estas sessões devem ser curtas, intensas e espaçadas no tempo.

Assim, utiliza-se um trapo velho, que servirá de presa, que devemos mover rápida, e entrecortadamente e que, rapidamente, deve afastar-se dos cachorros. Com este procedimento iremos estimular o comportamento de caça e desenvolver a conduta inata de perseguir uma peça de caça que corre e se afasta. Finalmente, permite-se que a mordam para dar por encerrado este ciclo e poder dar-lhes liberdade ao seu comportamento de presa (isto não é mais do que o que as mães lobas fazem para ensinar à sua prole as técnicas de caça).

Agora, podemos observar a capacidade expressiva da conduta persecutória, as características da mordida (tranquila ou nervosa, dura ou branda, ambiciosa ou tímida, duradoura ou breve) e o grau de possessibilidade.

Da análise do conjunto das características psicológicas dos cachorros, se obterá informação suficiente para os classificar no que diz respeito à força da sua carga instintiva e em relação ao equilíbrio entre os seus diferentes instintos. Seleccionam-se os exemplares mais aptos para o Trabalho Desportivo (RCI ou SchH, por exemplo) e estabelecem-se em cada caso a estratégia adequada onde irão assentar as bases do futuro adestramento.

Instinto de Sobrevivência


Quando o cachorro atinge as 12 / 14 semanas e já apresenta algumas sessões de trabalho relativas ao desenvolvimento do instinto de caça, pode-se aproveitar, ainda que leve e brevemente, o momento em que o acto de persegui a presa apresente a sua máxima expressão para, quase simultaneamente, permitir-lhe captura-la e assim restaurar a sua segurança e tranquilidade.

Com a apresentação de estímulos adversos de intensidade inferior ao impulso predatório, o cachorro aprende que a mordida – de escape -, tem um efeito benéfico, pois faz com que cesse a pressão. Assim, agora acede à presa através do Instinto de Sobrevivência e não, como antes, através do Instinto de Caça. O resultado é que o animal descobre que a forma de canalizar as suas inseguranças é através da mordida – mordida de escape.

Desta maneira, estabelecem-se solidamente as bases para o que no futuro será a pressão activa (pressão em direcção ao instinto).

## Comportamentos tipo dos cães que são separados temporariamente dos donos .##

Comportamentos tipo dos cães que são separados temporariamente dos donos

Devido às necessidades actuais, têm crescido exponencialmente os hotéis caninos com vista a acolher temporariamente cães de donos que vão de férias ou, por qualquer outro motivo, necessitam de se afastar por um determinado tempo e não podem ser acompanhados pelo seu cão. É de registar, pelo que nos temos dado a perceber, uma intenção dessas instituições de proporcionar um elevado nível de bem-estar do cão de maneira a tentar fazer com que o animal se sinta “como em casa”. Mas muitas dessas intenções são baseadas no estabelecimento de uma analogia connosco próprios, quer dizer, pondo-nos no lugar do cão que está no canil.

Richard Dawkins em 1980 comentava que, “deduzir que um animal sofre enjaulado, porque nós reagiríamos dessa forma numa situação análoga, pode chegar a ser tão absurdo como pensar que um peixe se deveria afogar dentro de água”. Este conceito está tão difundido, que alguns fabricantes de rações preocupam-se em que os seus produtos tenham aromas agradáveis ao olfacto humano.

Quando falamos no castigo através da dor ou submissão, temos que ter em conta que tanto o medo como a dor ou outras formas de sofrimento não ocorrem por azar ou capricho masoquista da natureza, mas que foram produzidas pela Selecção Natural como mecanismos adaptativos e supõem uma vantagem evolutiva tanto para o homem como para o cão.

Por outro lado, a percepção da dor ou sofrimento está associada ao sistema nervoso e os componentes desse sistema é que são muito parecidos em ambas as espécies. Isto torna possível a ideia de que: apesar de não sofrermos pelas mesmas causas, o conceito de dor pode ser similar entre homem e cão.

É nas primeiras horas da estadia do cão no Hotel Canino que, através de observações atentas e conhecedoras, permite avaliar os comportamentos indicadores do seu bem-estar.

Os investigadores apontaram três tipos de comportamento ou categorias metodológicas que podem ser investigadas neste primeiro período de permanência num local estranho e acompanhadas por pessoas estranhas.

1. Modelo de comportamento associado ao GAS


Nalguns cães, o Síndrome Geral de Adaptação (GAS), é acompanhado de erecção dos pelos dorsais, expulsão de fezes e urina, vocalizações específicas, fuga ou agressões. A esta situação é chamada Reacção geral de emergência e, mais que como um indicador fiável de sofrimento, é utilizada para identificar o efeito desencadeador de stress em qualquer das manipulações a que são submetidos pelo tratador.

As reacções gerais de emergência são totalmente desejáveis para a sobrevivência de qualquer espécie. Imaginemos que somos sequestrados e introduzidos local fechado sem podermos comunicar com os nossos familiares. Não podemos, em nenhum momento, pensar que nos encontramos nessa situação por gosto, relaxados e em total acordo com o procedimento utilizado pelos nossos sequestradores. Sem cair no antropomorfismo podemos assegurar que qualquer cão equilibrado mostrará reacções anteriormente descritas. O GAS manifestar-se-á em função da classe hierárquica do indivíduo e o tempo que leva a desaparecer a predisposição do cão para se adaptar à sua nova situação.

2. Comportamentos associados ao medo, conflito ou frustração.

O estudo sobre estes modelos pode ser levado a cabo experimentalmente colocando o animal em situações que provoquem estes estados emocionais:

Presença de um humano com atitudes agressivas = medo
Colocar alimento frente a um modelo agressivo = conflito
Impedir-lhe o acesso a um alimento visível = frustração

Para esta experiência temos que ter em conta que é preferível contar com pessoas do sexo masculino que posteriormente não voltem a ter contacto com o cão. Se observarmos a magnitude dos conflitos descritos durante várias repetições num período não superior a dois dias, teremos um indicador quase fiável daquilo que o cão irá sentir posteriormente.

De realçar que é possível encontrar algumas raças e alguns indivíduos cujos comportamentos associados sejam totalmente dispares quanto à sua exteriorização.

A idade, a experiência do animal, a sua aprendizagem prévia, sexo e raça serão factores de variabilidade na hora de se estabelecer um “padrão próprio de tratamento” que deve ser estabelecido pelo tratador.

3. Comportamentos anormais.


Segundo Fox (1968) “são acções persistentes e não desejáveis que aparecem numa minoria da população, que não são provocadas por nenhum dano do sistema nervoso e que se generalizam para lá da situação que originalmente as provocou”. Normalmente são mal interpretadas como sendo “vícios”. O movimento de sacudir a cabeça, os contínuos passeios com o mesmo trajecto e, inclusivamente, a reiterada tentativa de morder a cauda é uma advertência de que nos encontramos perante um comportamento estereotipado indicador de uma conduta anormal.
Comportamentos estereotipados são um conjunto de movimentos repetidos e relativamente invariáveis que são realizados sem nenhum propósito aparente. A diferença entre um estereótipo indicador de uma conduta anormal e a de uma frustração ou medo, pode ser muito subtil e só um bom especialista pode distinguir se o cão apresenta uma reacção geral de emergência (totalmente desejável para a sua sobrevivência) ou realmente apresenta um comportamento anormal que é necessário corrigir.

Num período de férias em que há muitos cães entregues em hotéis caninos para uma estadia enquanto os donos se ausentam, achámos pertinente publicar este artigo que é fundamentalmente destinado aos responsáveis pelos Hotéis Caninos em geral e aos tratadores em particular.

O que nos motivou a fazê-lo são as nossas observações, em hotéis onde somos consultores, das dificuldades que os tratadores têm em resolver problemas de comunicação e manipulação de alguns cães, principalmente os que são separados dos donos pela primeira vez, com a consequente frustração de ambos. Sabemos que é uma situação pouco conhecida dos donos mas que é um problema altamente preocupante de todos os que estão encarregues de tratar de um “hóspede” a quem não conseguimos “dizer” que está ali temporariamente e que, sendo assim, não foi abandonado pelos “queridos” donos.

30/12/09

Adaptação Genética em Função das Necessidades da Domesticação

O que é que existe na sociedade humana que a torna tão passível de ser explorada? E como é que os cães conseguem fazê-lo? Nós somos, tal como dizia John S. Kennedy, etólogo especialista do comportamento animal, antropomorfizadores “compulsivos”, sempre à procura de comportamentos que mimem, mesmo ao de leve, fenómenos sociais humanos como a lealdade, a traição, a reciprocidade.

A nossa capacidade cognitiva que faz com que atribuamos responsabilidades aos outros é, em parte o que nos torna humanos. Mas isso é realmente compulsivo. Os seres humanos fazem-no de uma forma tão instintiva que estão sempre a atribuir motivos bons ou maus a forças inanimadas como, por exemplo, o tempo.

A nossa esperteza desaparece quando estamos na presença de um mestre como o cão. A nossa tendência é agarrarmo-nos a comportamentos caninos, que afinal são programados, e vermos nesses comportamentos histórias de amor e fidelidade. Muitas vezes, os cães só precisam de ser eles próprios para nos iludirem.

Tomemos como exemplo o “instinto de protecção” em que os donos de cães têm tanto orgulho. Estudos recentemente divulgados concluíram que este foi dos instintos que mais se foi diluindo com a domesticação do cão desde o seu inicio, há 16 000 anos. Os investigadores demonstraram que esta manifestação pretensamente instintiva não tem nada a ver com a lealdade do cão e a suposta preocupação que ele tem por nós. É sim um exemplo daquilo que os psicólogos chamam de “agressão facilitada”. Em vez de sermos protegidos, o cão sente-se protegido por nós e está alerta para qualquer sinal de perigo vindo do exterior.

Pensemos também nas inúmeras histórias que já ouvimos sobre cães que salvaram pessoas. Os cães não têm nenhum instinto especial que os faça salvar pessoas e não entendem que é isso que estão a fazer mesmo quando o fazem. Os cães de busca e salvamento são treinados através da exploração do instinto que têm (esse sim) de cobro ao trazer objectos que lhes são atirados. Os cães são treinados a apanhar e a ir buscar apenas um objecto. Uma vez que conseguem dominar esta tarefa, estão prontos para o passo seguinte: o treinador pega num objecto que o cão goste muito e esconde-se e o cão é encorajado a encontrar o seu brinquedo (motivador). Quando o cão descobre o seu treinador, recebe o brinquedo como recompensa. A repetição frequente deste exercício facilita a consolidação do mesmo.

Isto não retira aos cães o seu fabuloso sentido de olfacto e a capacidade que têm para serem treinados, nem o útil que são em situações desse género. O Que isto significa é que as coisas são mais simples do que nós queremos acreditar. Tal como Gregory Acland salienta, “o que estamos a fazer é isolar um comportamento e a subvertê-lo.” Newfoundlands e outros cães que retiram objectos da água não podem nadar ao lado dos seus donos porque estão sempre a tentar “salvá-los”.

O ponto a que comportamentos complexos semelhantes são geneticamente programados é por vezes assustador. Cadelas grávidas ou em pseudo-gestação tentam frequentemente adoptar um animal de peluche e “tomar conta” dele. Um pássaro cardeal no seu ambiente natural foi observado durante semanas a alimentar peixinhos. Os peixes vinham à tona da água e abriam a boca – como fazem os filhos dos pássaros -, e isto despoleta o comportamento “paternal” da ave.

Uma parte do trabalho de Elaine Ostrander no Projecto sobre o Genoma Canino apresenta uma tentativa em identificar os genes responsáveis por instintos caninos tão complexos como o dos border collies e a sua tendência gregária ou o gosto pela água dos newfoundlands. A terceira geração de cachorros cruzados entre border collies e newfoundlands revelou uma boa mistura dos dois comportamentos – o suficiente para acreditarmos que foram controlados geneticamente. Esta experiência, que envolveu cerca de uma dúzia de genes, prova que precisaríamos de uma centenas de cães para concebermos uma estrutura desses genes.

Melissa Fleming, uma seguidora dos passos de Ostrander, desenvolveu uma análise que permite quantificar certas diferenças de comportamento inatas. Fleming descobriu, que os border collies olhavam fixamente para um carro que funciona por controlo remoto, enquanto o newfoundland não lhe prestava qualquer atenção e só reagia quando o carro vinha na sua direcção.

Outros estudos demonstraram até que ponto é que o comportamento canino é geneticamente definido. Certos tipos de huskies siberianos e de pointers têm uma enorme timidez ou aversão em relação ao ser humano. Quando em contacto com outros cães e mantidos no mesmo canil, os cães tímidos retraem-se (os pointers chegam mesmo a ficar totalmente imóveis quando as pessoas se aproximam), enquanto os outros cães pedem festas. Os criadores conseguiram produzir cães de raça que ladram e outros que não ladram quando sentem o cheiro de uma pista e dálmatas que assumem ou não posições de estátua e acompanham de perto o galope dos cavalos, e até poodles miniatura que nos dão um “passou bem” ou não.

Muito provavelmente o gene da submissão não existe, mas é isso que faz com que o cão saia muitas vezes ileso de situações, inclusivamente de homicídio, na sociedade humana e é inato no comportamento social do lobo. Os cães são animais sociais, tal como nós. A organização social canina consiste numa hierarquia muito rígida em que a submissão a cães superiores e o seu apaziguamento são elementos fundamentais para a sobrevivência. As hierarquias de domínio evitam a violência, mas ela está sempre presente. “É isso que os cães fazem na vida”, diz Gregory Acland, “calculam o comportamento que é esperado deles numa determinada situação e actuam”.

Até os maus treinadores conseguem que os cães façam o que eles querem. Se berrarmos a um cão, ele adula-nos. Será que isto significa que ele se está a desculpar por se ter “descuidado” no tapete persa? A verdade é que isso não interessa ao cão. A adulação é uma técnica de desvio da agressão que o cão domina. Comportamentos como estes são próprios da evolução dos lobos porque são socialmente eficazes. Os cães limitaram-se a afinar estes comportamentos para os poderem aplicar na convivência com o ser humano. Tal como nós somos geneticamente programados para procurarmos sinais de amor e lealdade, os cães são geneticamente programados para explorarem essa nossa fraqueza.